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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

"Pensando Direito" Profª Lilla Lima aborda o seguinte tema: Vício de iniciativa - Inconstitucionalidade Formal [i]

VÍCIO DE INICIATIVA – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL[i]
As normas constitucionais, quanto à eficácia, podem ser classificadas, segundo José Afonso da Silva em: a) normas constitucionais de eficácia plena; b) normas constitucionais de eficácia contida; e c) normas constitucionais de eficácia limitada. Sabido é que as últimas exigem, para produzir efeitos naturais, diferentemente das demais normas acima citadas, complementação por norma infraconstitucional.

Se a feitura de uma norma infraconstitucional, exigida para dar efetividade a uma norma constitucional de eficácia limitada, der-se por processo legislativo desencadeado pelo Poder Legislativo, apesar de ser reservada à iniciativa do presidente da República, advindo sanção deste, ainda assim subsistirá a inconstitucionalidade formal?

A hierarquia constitucional, que garante à Constituição Federal o status de paradigma do ordenamento jurídico, concretiza-se por meio de vários mecanismos, dentre eles o respeito ao processo legislativo previsto em seu texto. A doutrina normalmente reconhece ser o processo de criação das espécies normativas estruturado em fases, quais sejam: iniciativa, discussão, votação, sanção, promulgação e publicação. Tratando especificamente da primeira fase, sabe-se que ela, segundo doutrina de Alexandre de Moraes (2010), representa “a faculdade que se atribui a alguém ou a algum órgão para apresentar projetos de lei ao Legislativo, podendo ser parlamentar ou extraparlamentar e concorrente ou exclusiva”. Uma vez inobservado o processo legislativo adequado, pode-se desencadear o ritual jurídico próprio para o controle de constitucionalidade com base no vício de iniciativa em caso de espécie normativa que exige competência privativa do chefe do Executivo (e assim não se dá), conforme indagação proposta na introdução desse trabalho.

Alexandre de Moraes (2010, p. 658) em sua doutrina apresenta questionamento de idêntico teor, ao que responde pela impossibilidade de convalidação do vício, ainda que o projeto aprovado pelo Congresso tenha sido sancionado pelo presidente da República. Consubstancia seu posicionamento na superação da Súmula nº 5 do Supremo Tribunal Federal[1], abandonada em 1974 e em jurisprudência[2] do mesmo órgão, que tem como principal função a guarda da Constituição. Seu posicionamento encontra eco na doutrina de Pedro Lenza (2007, p. 372), de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2007, p. 469), de Saul Tourinho Leal (2010, p. 26), de Matheus Rocha Avelar (2009, p.289)[3], de Charles Froelich e Elia Hammes (2009, p. 208).

Ressalte-se, entretanto, que nenhum dos juristas acima mencionados analisou a questão sob o enfoque do princípio da efetividade das normas constitucionais. Assim, Kildare Gonçalves (2006, p. 800-802) adotou um posicionamento mais ponderado ao apresentar a questão como polêmica, citando Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Marcelo Caetano na condição de “adeptos” da impossibilidade de convalidação do vício de iniciativa pela sanção, e em contrapartida, discorrer também sobre o entendimento contrário defendido pelo próprio José Afonso da Silva, por Themístocles Cavalcanti e Seabra Fagundes e por Menelick de Carvalho Netto.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, por sua parte, alega a tese da não convalidação com base na doutrina italiana afirmando que um ato complexo não é válido se não são igualmente válidos os elementos que concorrem à sua formação. Assim também, Marcelo Caetano anota a característica da irrenunciabilidade do direito de iniciativa exclusiva do presidente da República e completa que tal previsão constitucional se deu não apenas por motivos jurídicos, mas também políticos em defesa da independência dos três Poderes, princípio constitucional insculpido no artigo 2º da CF/88.

A omissão legislativa oriunda do poder competente para legislar, no caso o Executivo, é suprida pela atuação do Legislativo e conta com a aprovação do poder omisso quando sanciona o ato, dando efetividade às determinações/direitos previstos na Constituição, assim defendem José Afonso da Silva e Menelick de Carvalho Netto.

Sérgio Antônio Ferrari Filho ressalta que a exclusividade na iniciativa de determinadas matérias legislativas se deve não ao movimento do Constitucionalismo, no qual a iniciativa legislativa era exclusiva do Poder Legislativo, mas a tendências flexibilizadoras ditatoriais, em que prepondera o Poder Executivo, confirmadas pelas Constituições de 1937 e de 1967. Pondera ainda que a preservação da autonomia dos Poderes Executivo e Judiciário e da contenção das despesas públicas que poderiam justificar o reconhecimento da inconstitucionalidade formal nem sempre se verificam quando o Legislativo tenta suprir-lhes a omissão. Considera a iniciativa privativa não como princípio fundamental, mas como mera norma-disposição. Sublinha o princípio da unicidade insculpido na Constituição e a ausência de hierarquia entre as normas constitucionais, mas demonstra também a preocupação do legislador constituinte em garantir a efetividade da própria Constituição (princípio da efetividade ou da “máxima eficácia possível”). Aponta que a omissão do Chefe do Executivo, nesse caso, também está eivada de inconstitucionalidade ao obstar a efetivação da Constituição.

Ante a colisão de interesses: de um lado a proteção do princípio da separação dos Poderes que refuta a inobservância da reserva de iniciativa no processo legislativo e a consequente inconstitucionalidade formal, mas que referenda um ato igualmente inconstitucional (a omissão da autoridade competente), e a efetivação do texto constitucional suprida pela ação do Legislativo e posterior sanção do Executivo em respeito ao princípio da efetividade, deve-se optar pelo caminho que apresente maior relevância prática, visto que a Constituição deve servir ao povo e não atuar contra esse, pois ao privilegiar a inércia do Executivo, num círculo vicioso, desrespeita o próprio princípio da independência e harmonia entre os Poderes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AVELAR, Matheus Rocha. Manual de Direito Constitucional. 5ª ed., Curitiba: Juruá, 2009.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional – Teoria do Estado e da Constituição e Direito Constitucional Positivo. 12ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

FROEHLICH, Charles Andrade. HAMMES, Elia Denise. Manual do Controle Concentrado de Constitucionalidade. 1ª ed., Curitiba: Juruá, 2009.

LEAL, Saul Tourinho. Controle de Constitucionalidade Moderno. 1ª ed., Niterói: Impetus, 2010.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 11ª ed., São Paulo: Método, 2007.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24ª ed., São Paulo: Atlas, 2009.

PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 1ª Ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

FERRARI FILHO, Sérgio Antônio. A iniciativa privativa no Processo Legislativo diante do Princípio interpretativo da efetividade da Constituição. Disponível em: http://www.camara.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc2001/revdireito2001A/estudo _iniciatpriv.pdf. Acesso em 11 jan. 2010. Material da 5ª aula da disciplina Teoria da Organização do Estado e dos Poderes do Estado, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Estado – Universidad Anhanguera-Uniderp|Rede LFG, 2011.




[1] O Supremo, apesar de alterar a Súmula nº 5, adotando a tese da não convalidação, como já mencionado acima, ao julgar a ADIn nº 266-0-RJ, em 1993, voltou a aplicá-la, revelando que a questão realmente não é pacífica.
[2] ADIn nº 1.201-1/RO – Rel. Min. Moreira Alves, Diário da Jusitça, Seção 1, 9 jun. 1995, p. 17.227.
[3] ADIn nº 2.079 – TP – Rel. Min. Maurício Corrêa – DJU 31.03.2000, p.38.





[i] Lilla de Macedo Lima. Advogada, professora de Direito Constitucional, Direito das Sucessões e Direito das Coisas na Universidade de Rio Verde – Campus Caiapônia. Especialista em Direito do Estado e em Docência no Ensino Superior.