Relatos apontam que ele já foi um dos melhores jogadores do Atlético Clube Goianiense.
Hoje, entregue ao vício, ninguém o conhece.
Sempre com discos de vinil dentro de uma matula, Gilberto prefere ser chamado de pessoa. Beatles e Jimy Hendrix são preferidos dele.
Gilberto Bueno Costa, mais conhecido como “Pessoa”, de 51 anos, caminha todos os dias pelas ruas do Setor Fama, entre as lojas e clientes que lotam as calçadas da Avenida 24 de Outubro. Com dread no cabelo e uma camisa estampada com a cara do Bob Marley, ele anda sempre seguido por dois cachorros pequenos. Do lado uma “capanga” feita com a perna de uma calça jeans cortada sem muito jeito. Ele senta no chão e as pessoas passam, na maioria das vezem sem ao menos notá-lo, outras o olham com medo ou pena. O que quase ninguém sabe é que aquele cidadão é um ex-craque de um grande time de futebol da capital, o Atlético Clube Goianiense.
A história do futebol brasileiro é recheada de grandes jogadores que marcaram época em seus clubes.
Atualmente, com o advento das filmadoras e câmeras digitais, é possível manter registrado todos os passos desses artistas do futebol, no entanto muitos craques do passado tiveram suas histórias perdidas pela falta de registro. Ao caírem no esquecimento, essas pessoas perdem também o prestígio social, e depois de proporcionar grandes alegrias ao torcedor, muitas vezes passam a viver à margem da sociedade.
A reportagem do Diário da Manhã saiu pelas ruas do Setor Fama em busca do ex-jogador. Gilberto foi encontrado sentado na calçada da Avenida 24 de Outubro, ao seu lado Zezé Mota, uma cadelinha preta, e Robert Blanche, um cachorro branco, ambos de pequeno porte. Era umas 14h e ele estava visivelmente alcoolizado, no chão uma revista velha, com algumas folhas arrancadas. Pegou uma capanga que estava do lado, onde dentro havia uma garrafa, retirou a rolha e tomou um gole do que ele chamou de suco de limão. O cheiro de cachaça exalou pelo ar.
Gilberto Bueno, o Pessoa, começou a jogar futebol na década de 70, ainda adolescente. Fez teste no Itumbiara e passou, sendo elogiado pelos dribles e bons passes. Logo estava jogando no Atlético Goianiense, com promessas de um futuro promissor. Sua irmã, Gilsilene Bueno, conta que ele era muito bom jogador e a família tinha certeza que teria futuro em campo. “Eu era muito nova na época, mas lembro do meu pai contar como ele jogava bem e da expectativa que existia por causa disso”, comenta.
O jogador, ainda jovem, fez algumas amizades em campo e fora dele, e junto com a fama começou a surgir os convites para as festinhas, em uma dessas ocasiões, ele foi apresentado a quem iria destruir sua recente carreira: o álcool. “Ele fez umas amizades que só o levavam para a bebida, ele era muito novo quando começou a beber e nunca mais parou”, conta a irmã.
Sentado no chão da avenida, bêbado, Pessoa responde a poucas perguntas e sempre que questionado sobre algo, titubeia nas palavras por um tempo e na maioria das vezes fala algo totalmente sem sentido. A cada minuto dá mais um gole no seu “suco de limão”. Algumas pessoas passam e o cumprimentam, ele responde e parece gostar daquele segundo de atenção e reconhecimento. Para muitos lojistas, Pessoa é uma figura conhecida. “Ele está sempre por aqui, bêbado e com esses dois cachorros, mas não faz mal a ninguém, é até querido por muita gente do bairro”, explica a vendedora de uma loja.
O ex-jogador pegou um pedaço de papel e uma caneta e fez alguns rabiscos. Ao ser questionado sobre o que se tratava o desenho, explicou, “É o Pessoa chorando”. Sua irmã conta que ele bebe há quase 30 anos e que nesse período já o internaram três vezes em clínicas de reabilitação, e ele sempre fugia. “Nos raros momentos em que está sóbrio, a gente assiste futebol, então ele começa a lembrar o que poderia ter sido e tudo que poderia ter conquistado, e começa a chorar”, fala.
Depois de outro gole na garrafa escondida na capanga, passou um senhor fumando e o cumprimentou, ele respondeu e pediu um cigarro. Acendeu o cigarro, jogou o palito de fósforo pra cima e tentou fazer embaixadinha com ele, o palito logo foi para o chão. Ao ser questionado sobre a época em que jogava, ele faz silêncio, ao insistir na pergunta, muda de assunto. “E o show do Paul McCartney bicho, isso foi um acontecimento es-pe-ta-cu-lar”, fala com voz arrastada.
Gilsilene explica que ele não conversa muito sobre o tempo em que jogava e que nem ela se lembra de como era. “Meus pais é que sabiam de tudo, mas eles morreram muito desgostosos por causa do Pessoa ter abandonado o futebol e começado a beber assim”, relata. Ela conta que às vezes aparecem ex-jogadores da época em que Pessoa jogava para tentar falar com ele, mas quase sempre o encontravam bêbado. “Quando ele está sóbrio, fica feliz com a visita e sempre apresenta pra gente, falando que ele e o amigo jogaram juntos”.
A reportagem do DM ligou no clube em busca de arquivos do tempo em que o craque jogava, mas foi informado de que não há nenhum registro dessa época. Segundo informações dos funcionários, o clube só possui catalogados arquivos a partir do ano de 2003. Com a falta de registros, morte dos pais e os irmãos mais novos não se lembrarem, a história do jogador já está encaminhada rumo ao esquecimento total.
Por ter começado a jogar bastante novo e com bom futebol, Pessoa poderia ter sido um grande nome do futebol brasileiro. De acordo com Gilsilene, ao ver os jogos da seleção brasileira, ele sempre fala que poderia “ter jogado com aquele uniforme amarelo” e ter uma vida totalmente diferente. “Ele teve a oportunidade, mas a bebida tirou isso dele”, desabafa.
Fonte: DM.com.br